História do Gabinete



Em 10 de abril de 1864, Raymundo Sardinha da Costa, juntamente com outros cem ilustres vilaboenses, fundou o “Gabinete Litterário Goyano”, coroação dos esforços de gerações anteriores, sendo reconhecido por Genesco Bretas (1991) como a primeira biblioteca pública do Estado de Goiás, celebrando, neste 2019, seus 155 anos. 

O Gabinete Literário exerceu, a partir da segunda metade do século XIX, papel crucial na circulação de livros e da leitura nestas terras goianas quando ainda éramos província, tendo funcionado, na antiga capital, como gabinete de leitura com locação de livros, tanto literários como das mais diversas áreas do conhecimento, assumindo – numa época em que havia escassez de livros, vez que caríssima a aquisição e muito dificultoso o acesso – um papel catalisador da leitura e da cultura na então província e, bem ainda, um papel vanguardista e relevantíssimo na construção de um projeto educacional para a sociedade goiana, a partir do século XIX. Ademais, consiste o Gabinete Literário em fonte fértil donde tantas gerações saciaram sua sede de saber, ciência e cultura.


Juntamente com o Lyceu de Goyaz e o Seminário Santa Cruz, foi o Gabinete uma das primeiras instituições goianas a promover a difusão de ideias, da instrução, da atividade intelectual e da produção literária e cultural de Goiás, tendo sido efervescente espaço da intelectualidade goiana, por onde passaram célebres e conspícuas personalidades da nossa terra como seus sócios e membros de Diretorias, tais como Cora Coralina – que foi sua Vice-Presidente –, Leodegária de Jesus, Luiz do Couto, Manuel Lopes de Carvalho Ramos, Félix de Bulhões, Constâncio Gomes, Maximiano Mendes, Antônio Ramos Caiado, Luiz Guedes de Amorim, Coriolano Augusto de Loyola, Emílio Francisco Póvoa, Consuelo Ramos Caiado – a primeira mulher Presidente do Gabinete Literário Goyano, no período de 1929 a 1932 –, Altair Caiado de Castro, Alfredo Nasser, Goiás do Couto, entre muitos outros, de modo que já legou marcas indeléveis e ainda marca profundamente a vida cultural do nosso Estado há mais de quinze décadas.

Cora Coralina em sessão solene do Gabinete

É de se destacar, outrossim, que figuraram entre os sócios honorários do Gabinete Literário Goyano o livreiro e editor francês Baptiste-Louis Garnier – um dos principais editores do Brasil na segunda metade do século XIX, que fundou a Livraria Garnier no Rio de Janeiro, editando seus livros no Brasil e imprimindo-os em Paris e Londres, e teve longo relacionamento profissional com Machado de Assis, do qual publicou, pela primeira vez, as clássicas obras “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) e “Quincas Borba” (1891) – e o preclaro escritor Visconde de Taunay – autor das célebres obras “Inocência” e “A retirada da Laguna” e um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras. Ambos doaram obras para o Gabinete Literário.

Exemplar doado ao Gabinete por Visconde de Taunay

A propósito, reconhecendo a importância da criação do Gabinete Literário Goyano, o maior escritor brasileiro de todos os tempos e um dos maiores do mundo, Machado de Assis, escreveu para a seção “Semana Literária” do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, publicada no dia 20 de fevereiro de 1866, menos de dois anos após a fundação do Gabinete, uma crônica dando notícia e celebrando a instalação de um gabinete literário na então Província de Goiás. 


Bem ainda, assim ensina o ínclito Professor Dr. Bento Fleury: 
“A compra dos livros se traduzia numa verdadeira epopeia, já que os mesmos saiam da livraria Garnier no Rio de Janeiro e em São Paulo e vinham a Goiás, conduzidos em lombos de burros, em meses de viagens, acontecendo extravios de carga em decorrência de ‘burros fujões’, chuvas prolongadas e pontes desaparecidas. Uma grande crise atacou o gabinete entre 1868 e 1871, ficando o mesmo fechado por falta de recursos, por três anos. Depois reabriu em sede nova, com novas estantes e livros e novos sócios. A partir de 1900, nota-se a presença feminina às sessões. Chegou mesmo a construir um sobradinho ao lado do hoje Museu das Bandeiras que acolheu a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Goiás nos anos de 1920 e que não mais funcionou após a mudança da Capital. O gabinete nunca se instalou ali. Em 1921, o Gabinete se instalou no Prédio onde hoje se encontra e onde deixou de ser bibliotecária a Mestra Silvina Hermelinda Xavier e passa a atuar a professora Angélica Pereira. Houve um lapso de tempo entre 1925 e 1926. A renovação só acontece em 1929 com a diretoria encabeçada por Consuelo Caiado, coadjuvado por Anita Fleury Perillo, Noemi Lisboa de Castro, Maria Carlota Guedes de Amorim, Genezy de Castro e Silva e Argentina Remígio Monteiro. No valor da mulher goiana, o Gabinete conheceu dias de glória com palestras, debates, conferências, marcando o estertor da República Velha, do Regime Caiadista e do status de capital da Cidade de Goiás. O Gabinete chegou a ter um jornal próprio intitulado Folha Goyana que foi dirigido por Genezy de Castro e Silva. Nesse período também o gabinete alcançou o número expressivo de mais de quatro mil obras. A notável bibliotecária Genoveva Santana da Veiga Jardim, dona Zu, também emprestava alegria ao ambiente do gabinete, tornando a frequência mais agradável. A partir de 1932, o Gabinete Literário Goiano entra em decadência com a mudança da Capital e, em ruínas, permanece por quase três décadas. Só voltou a funcionar graças ao desprendimento de Regina Lacerda, Elder Camargo de Passos e João Nicolau, mas, novamente, cai na inércia. Só em 1978 ganha vida novamente, graças ao empenho de Elder Camargo, Genesco Bretas (que catalogou e selecionou os livros), Arthur Costa Ferreira e muitos outros [...]”. (in: Revista SICOOB CULTURA – Instituto Cultural Sicoob UniCentro Brasileira/Ano 1 – Número 2 – Dezembro/2016.)
Atualmente, sob a presidência do advogado e escritor Rafael Ribeiro Bueno Fleury de Passos, o Gabinete Literário Goyano segue na sua luta histórica para tentar manter-se vivo e, mais, para revitalizar-se, de modo que se busca preservar e valorizar a sua sede centenária e o seu inestimável acervo.

Assim que essa egrégia instituição, perseverando em face de todas as adversidades e obstáculos, marca profundamente, há mais de 150 anos, a vida da nossa Vila Boa – Cidade-Mãe, berço da cultura goiana – e do Estado de Goiás, consistindo, portanto, em espaço literário de extrema importância na formação intelectual, cultural e educacional do nosso povo. Incontestes e incomensuráveis, portanto, os serviços prestados pelo Gabinete Literário à sociedade goiana ao largo das últimas quinze décadas. Nessa senda, não podemos negligenciar a premente e inadiável necessidade de salvar, preservar, fortalecer e valorizar o Gabinete Literário Goyano e o seu portentoso acervo bem como de manter viva a sua rica memória, que, em última análise, confunde-se com a memória de Goiás, com a memória do povo goiano, sendo, pois, patrimônio nosso e responsabilidade de todos nós.

Nessa senda, cumpre salientar que a grande luta e meta da atual Diretoria do Gabinete Literário Goyano consiste em buscar e viabilizar a necessária e urgente reforma do seu casarão sede, localizado no Centro Histórico da Cidade de Goiás, bem como a limpeza, higienização, catalogação, restauro e digitalização de todo o seu raríssimo acervo, com vistas a preservarmos este verdadeiro tesouro histórico e cultural da antiga Vila Boa, do nosso Estado de Goiás e do Brasil. 


Texto e pesquisa: Rafael Ribeiro Bueno Fleury de Passos